segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Por que me tornei vegetariana

O que diferencia um ser humano de um animal? A primeira resposta que me vem a cabeça é a capacidade de elaborar raciocínios complexos que os humanos, ao menos teoricamente, têm. Conseguimos analisar e combinar informações e dados abstratos, raciocinar a respeito deles, gerar novos conceitos e criar argumentos para refutar uma idéia ou defendê-la.
Conheço pouco sobre o funcionamento do cérebro humano e o dos não humanos, mas me arrisco a dizer que outra característica cognitiva que nos diferencia é a capacidade de fazer julgamentos com base num senso de justiça comum, que nos permite distinguir e definir o que é justo do que não é.
É claro que as diferenças culturais exercem forte influência nesse julgamento, mas acredito que, em um ponto, todos nós concordamos em maior ou menor grau: consideramos injustos atos de crueldade contra seres vivos, sejam eles humanos ou não.
Mas será que o conceito de crueldade que eu tenho ou que você tem é o mesmo que o do seu vizinho? A noção do que é a crueldade varia sensivelmente de acordo com a situação em que cada indivíduo se encontra. Numa guerra, por exemplo, cometem-se atos hediondos em nome de causas consideradas justas por uma determinada sociedade, num determinado momento.
A questão dos direitos dos animais é uma guerra em que a crueldade vem sendo aceita passivamente por muitos e defendida passional e racionalmente por determinados grupos, movidos por interesses econômicos.
Para esses grupos - dentre os quais podemos citar grandes nomes da indústria farmacêutica, alimentícia, de vestuário e de entretenimento -, acredito que a única forma de “diálogo” eficiente é a mudança das leis, não só das que regulamentam o uso de animais em testes ou a forma como a criação e o abate devem ser feitos, mas, principalmente, da lei de mercado. Se o consumidor deixar de comprar produtos testados em animais ou que usam sua carne, pele ou qualquer outro órgão de seus corpos como matéria-prima, a indústria se verá obrigada a mudar, a investir e a gerar avanços tecnológicos e científicos que substituam os arcaicos e pouco eficazes testes realizados com animais. Já existem alternativas muito superiores, em qualidade e humanidade, para testes e estudos que dispensam totalmente o uso de animais em laboratórios.
Se o consumidor, como eu e você, tem todo esse poder, por que não vemos a indústria se transformando para nos oferecer produtos e serviços 100% livres de crueldade contra os animais? Provavelmente porque nós, humanos com capacidade de julgamento e raciocínio complexo, consumidores que fornecem os recursos econômicos para que as empresas continuem obtendo lucro e mantendo seus laboratórios de pesquisa e tortura animal em pleno funcionamento, não costumamos pensar muito nisso.
Trocamos, sem nenhum incômodo e até com muita satisfação, nossa capacidade de refletir e tomar partido sobre a crueldade contra os animais (e fugindo um pouco do tema deste texto, contra outros seres humanos) por um filé no prato.
Não gostamos muito de pensar de onde vem o que comemos ou vestimos. Aliás, nos preocupamos sim e muito, com a higiene com que nosso bife foi preparado, mas não pensamos, um segundo sequer, sobre o assassinato de um animal, sobre como foi a vida daquele boi ou porco que a teve roubada pelos criadores, com a conivência de consumidores, como eu e você. Quando somos obrigados a pensar sobre isso, podemos lamentar que ele tenha sido morto, mas achamos que foi por um motivo justo e nobre: nos servir de alimento.
Mas se pensarmos que existe uma variedade enorme de alimentos de origem vegetal, muito mais saudáveis para o nosso organismo, para nossa consciência e para o mundo em que vivemos, fica difícil continuar comendo carne sem, no mínimo, sentir-se desconfortável.
Eu fiquei muito tempo pensando que deveria me tornar vegetariana, muitas vezes enquanto mastigava meu bife. Mas eu achava que não faria muita diferença se eu parasse de comer carne, afinal, eu nem comia tanto assim e o que eu deixasse de consumir não faria falta para a imensa indústria da carne. Mas quando eu descobri que, tornando-se vegetariana, uma pessoa qualquer, insignificante como eu, passa a salvar 81 animais da morte, por ano, eu me senti grande. E se uma vida salva faz total diferença para o indivíduo “sujeito-de-uma-vida”, na expressão de Tom Regan, eu me sinto imensamente feliz por ser o sujeito dessa atitude. E nem é preciso dizer que o máximo prazer que um pedaço de carne no prato poderia me proporcionar não chega nem perto da plena satisfação que eu sinto quando me lembro disso.
Considerando, também, que uma dieta vegetariana é mais saudável, minhas chances de consumir medicamentos diminui bastante, o que implica na redução dos lucros da indústria farmacêutica, uma das maiores responsáveis pelo uso e abuso de animais em testes. Já está comprovado que pessoas que mantém uma dieta vegetariana têm menos chances de sofrer de doenças cardíacas, câncer, diabetes e derrame.
Os testes com animais são outro ponto de discussão fundamental. Não conseguimos imaginar a cena de um cachorro sendo vivissecado para testar um novo tipo de sutura cirúrgica e, depois de terminada a “exibição”, ser morto. Mas achamos que isso é um mal necessário, já que trará grandes benefícios para a evolução da medicina. “Bullshit”!
Quando me tornei vegetariana, há pouco mais de 2 anos, decidi nunca mais abrir mão da minha humanidade, da minha capacidade de discernimento moral e ético diante das milhões de vidas exploradas, torturadas e mortas, que me eram empurradas sob o disfarce de alimento. Demorei muito pra fazer essa mudança e sei que ainda preciso caminhar ainda mais (deixando de usar artigos de couro, por exemplo). Só sei que, de todas as escolhas que fiz ao longo da vida, tornar-me vegetariana foi uma das mais simples, das mais prazerozas e das que mais me orgulho.

2 comentários:

Vera Helena disse...

Parabéns a todos pelo blog. Precisamos de mais iniciativas como esta.

Abraços,

Vera

Andrea disse...

Vé, querida! Muito obrigada pelo apoio e seja sempre muito bem-vinda :-)